24 maio 2011

Lembrança do Avistar 2011

Vitor Piacentini, Maria Delphina, Vanessa, Fernando Brüggemann, Gabriela e Renato Rizzaro no Avistar 2011 em São Paulo.
Foto de: Claudio Francisco Vidal Ojeda

22 maio 2011

Arapaçu na espiral da fama

A primeira vez em que falei de Arapaçu em São Leonardo, o pessoal olhou meio desconfiado: ninguém conhecia. Descrevi o bicho, aí, a coisa piorou. A resposta foi única: é pica-pau e ponto final.
Vai daqui, vai de lá, até que certo dia apareceu um Arapaçu na nossa conversa: “isso daí é uma picapona, não presta pra nada, é devoradora de colméias” fulminou o vizinho, espantando o inocente.
Nosso trabalho com a comunidade é penoso, pois a cultura local enxerga somente passarinho na gaiola. Aves silvestres são ignoradas ou ameaçadas. A criançada é sempre a esperança, para elas vai nossa especial atenção.

Só consegui reabilitar o Arapaçu muito depois, numa exposição em que fotografei um exemplar de perfil, com o detalhe da cauda apoiada no tronco. A ave foi reproduzida em convites para a inauguração da exposição Aves da Floresta Atlântica no Parque Ingo Altenburg, em Ituporanga, porisso ficou famosa. Também está no Cartaz das Aves que nós produzimos e que já circula por muitos cantos mondo afora.
Falar dos Arapaçus é bacana, a começar pelo uso que fazem da cauda como apoio, quando “escalam” árvores (repare bem na foto). Sobem em espiral e despencam de ré, voando rápido e quase sempre pousam na vertical. O colorido aparenta homogeneidade; visto de perto tem padrões espetaculares!

A vocalização é impressionante, forte. Gostam de cantar nos dias chuvosos e as vezes são as derradeiras vozes do entardecer.
Insetívoros, usam o bico como pinça; exploram fendas nos troncos, onde buscam desde larvas a pererecas, girinos e lagartixas. Pouco saem da mata protetora. São abundantes em florestas neotropicais, principalmente nas primárias, por encontrarem antigas árvores, ocas, secas e buracos prontos para nidificar.

Durante muitos invernos tivemos um Arapaçu-grande (Dendrocolaptes platyrostris) dormindo no beiral de nossa casa, um vizinho perfeito.
Certa vez, eu e Gabi conversávamos na varanda da Reserva, quando este Arapaçu-grande pousou em meu peito, numa camisa de flanela xadrez. Olhou calmamente ao redor, vendo que nada tinha a explorar neste pequeno “tronco” voou, nos deixando rindo à toa, pela visita tocante.

Assim, a gente segue mostrando essa e tantas outras histórias, porque sabemos o quanto um bicho precisa estar em close, ficar famoso, para ser respeitado, reconhecido.

Na  foto, um Arapaçu-verde (Sitassomus griseicapillus) em tronco de Bracaatinga.

03 maio 2011

Matéria da Revista Almanaq


Alto da Boa Vista, divisores das águas das Bacias do Itajaí, Tijucas e Tubarão. A Reserva está atrás da Torre.

Reserva Rio das Furnas: paraíso ou refúgio na Boa Vista

Em quase dez anos de preservação e observação, a Reserva Rio das Furnas transformou-se no paraíso das aves. Ou seria um refúgio na Serra da Boa Vista; uma ilha num oceano de pinus e pastos?

Para entender o significado dessa frase vamos fazer um rápido vôo pela região. Você deve conhecer a BR282, certo? Entre Rancho Queimado e Alfredo Wagner existe uma Torre de Telecomunicações que fica bem no topo de uma escarpa, que é avistada da rodovia. Ali é o ponto mais alto da região, com 1250 metros acima do nível do mar, depois vem a Serra Geral, que margeia o município de Alfredo Wagner e Bom Retiro. Exatamente na Serra da Boa Vista localiza-se um dos divisores de água mais importantes de Santa Catarina, pois dali nascem rios das Bacias do Cubatão, Tijucas, Itajaí e Tubarão. São o Bonito, o Quebradentes, o das Furnas e o Povoamento.

Se circularmos pelo município de Alfredo Wagner, a importância da area aumenta e muito, porque a nascente do Canoas também parte de seus contrafortes. Só esta situação já seria suficiente para cuidar destas áreas, mananciais importantes no abastecimento da maior população do Estado. Porém, não é o que acontece.

O que se vê são plantações de exóticas invasoras em locais impróprios. Não se trata de declarar guerra ao pinus, árvore de capacidade de crescimento fantástico, constatado há anos, mas sim de saber quais consequencias podem advir de um manejo inadequado, como o que aparece nos Campos Naturais da Boa Vista e arredores.




Cachoeira da Figueira, abrigo sob rocha descoberto pelo pesquisador Altair Wagner

A Reserva Rio das Furnas, através da maravilhosa fauna e flora que abriga no interior de seu canyon, é um bom exemplo do que está sendo feito para manter algumas areas preservadas.

É a primeira RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) da região, implantada em 2002, um ano após ser adquirida por Renato Rizzaro e Gabriela Giovanka, o casal que mora, cuida, trabalha e vive na Reserva e para a Reserva.

“A primeira atividade que fizemos foi a limpeza do Rio das Furnas, junto com a comunidade de São Leonardo, depois levamos o pessoal até Santa Rosa de Lima, incentivando e mostrando as vantagens do plantio ecológio, então participamos de reuniões na cidade onde se discutiu uso de agrotóxicos, turismo responsável, cuidados com as nascentes e criamos o site capitaldasnascentes.org.br referencia quando se perquisa Alfredo Wagner do ponto de vista cultural e turistico, com o apoio público e privado locais”, afirma Renato.

Porém, alguns esforços não foram devidamente absorvidos pela população e muitas vezes até mal interpretados, como foi o caso da visita a Santa Rosa de Lima, onde os agricultores não compreenderam por que não existiam roças e nem carros nas garagens dos colonos de lá. Afinal, é profunda a cultura consumista, fato que pode confundir as pessoas simples que vivem sob a tutela de agropecuárias, por exemplo.



Mais de 2mil alunos visitaram a exposição Rio das Furnas, no Salão Nobre da Escola Silva Jardim

O mundo é das crianças

Para as crianças da escola da vila foram dirigidos vários projetos, desde 2002, desenvolvidos pela Reserva Rio das Furnas: Slide na Scola, Foto-Caderneta de Campo, Meu Poster/Minha vida, Mapa com Música, Aprendendo a usar binóculos e máquina fotográfica. A maioria com saídas de campo para conhecer a vila, as nascentes, o reservatório de água e, principalmente, tendo contato com as aves da região.

“Criamos até um personagem, a Caixola-de-ideias, que passava de mão em mão e a cada criança adquiria uma personalidade. Era como um espelho daquilo que se propunha em nossos encontros. ‘Falava’ do que poderia ser melhorado na vila, contava histórias, explicava como era a vida de um inseto, a interação com seu habitat, agregava conhecimento de uma forma bem divertida. Isso abriu muito nossa percepção e as crianças passaram a cultivar as falas desse personagem”, exemplifica Gabriela.


Cada aluno da Escola de São Leonardo ganhou um poster

Quando se sentiu mais seguro diante das crianças, o casal partiu para conhecer o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) em Alfredo Wagner. “Nossa experiência foi colocada à prova, porque não era a mesma criançada comportada e conhecida de São Leonardo, mas algumas crianças hiper ativas e outras com problemas familiares.




Depois de várias idas e vindas, um passarinho, justamente uma Curréca, abriu nossas portas e os corações da meninada, pois construiu um ninho bem acima da mesa de lanches e eles queriam saber que bicho era aquele. Perguntaram pra gente o que ele comia, do que vivia, enfim, foi a deixa para trazermos numa próxima visita a Caixa de Aves e assim ganharmos a confiança daquela gurizada arisca”.



Exposição paralela à da Reserva, organizada pelos alunos da Escola Silva Jardim

O PETI também foi palco de uma orquestra de bambús absolutamente improvisada, e uma Oficina de Tambores, com o Grupo Balaku-batuki da Ilha de Santa Catarina, trazidos a Alfredo Wagner pela Reserva, com o apoio da Secretaria Municipal de Educação do município.

Tempo de mostrar

Então vieram as exposições de fotografia. Setenta fotos na Escola Estadual Silva Jardim, onde os dois mil e tantos alunos da rede de ensino local puderam ver desde cobras a sítios arqueológicos existentes no canyon da Reserva, até então desconhecidos no conceito e na teoria, acompanhados por guias que explicavam o que desse e viesse, orientados pelo casal, para uma galera super curiosa. As fotos foram bem montadas e bem expostas, e novamente contaram com apoio da Prefeitura, especialmente das Secretarias de Educação, Cultura e Turismo.

Gabriela conta que “antes, apresentamos a exposição para os professores e incentivamos para que fizessem trabalhos sobre o tema preservação ambiental. Nossa grande surpresa foi ver uma ‘paralela’, no patio do Colégio, organizada pelos próprios alunos, com redação, desenhos e colagens.”

A Exposição permaneceu por mais de um mês, sendo doada para a Bilbioteca Pública, onde está guardada até hoje. Detalhe: já foram levadas fotos para feiras em outros municípios e ficaram um tempo expostas nos corredores da Secretaria de Educação e no espaço da Prefeitura.



Shoping Neumarket em Blumenau, a Exposição do Museu percorreu a cidade inteira

Toca rio abaixo!!!

Tal qual um passarinho que não pára quieto, sempre voando de um lado pra outro, o casal viu que era hora de plainar noutros céus e foi o que aconteceu. Criaram uma exposição mais enxuta, com 20 aves, batizaram de “Aves da Floresta Atlântica” e partiram para sete cidades rio abaixo, onde pudessem pousar com plumas e cores. Foi em Blumenau, que a então diretora do Museu de Arte, Rafaela Hering Bell acolheu os dois e colocou a disposição toda estrutura do Museu para abrigar as queridas avesinhas. Um sucesso, que repercutiu pela cidade e resultou num convite para expor no hall da Biblioteca da Furb e no Neumarket.

No Shopping, com a parceria do IPA (Instituto de Pesquisas Ambientais) da Furb, criou-se ambientes onde as aves estavam rodeadas de plantas nativas.

Partiram para Rio do Sul e quem abriu as portas foi Fábio Carrara, diretor cultural que além de tudo, aproximou-os da Aliance One, empresa que bancou a exposição e, de quebra, adquiriu todas as fotos.



Aves da Reserva no Parque Ingo Altenburg

Este belo espaço, incrustrado no meio da cidade de Ituporanga, adquirido pela FUCAS (Fundação de Assitência Social), acolheu 50 painéis de aves da Reserva Rio das Furnas, recentemente, que ficarão em exposição permanente. Projeto aprovado pelo Ministério Público de Santa Catarina, é direcionado para a Educação Ambiental dos visitantes, que até este ano já atingiram 40 mil pessoas, o dobro da população da cidade.



Cartaz de Aves

A cada visita de pesquisadores e apaixonados pela Natureza, aparece um bicho diferente. Assim, pouco a pouco, a Reserva chegou a 232 espécies de aves. Um número excepcional, se comparado ao do Estado de Santa Catarina, que é de aproximadamente 600 espécies.

Amigos observadores e a experiência dos ornitólogos que estiveram na Reserva, como a Lenir Rosário, Beloni Pauli, Vitor Piacentini, Luiz Pedreira Gonzaga, Ivo Ghizoni, Tobias Kunz e Alexandre Moreira, foi fundamental para chegar a 177 espécies. A parceria com o Instituto de Pesquisas Ambientais da Furb, consolidou essa etapa do levantamento.

No final do ano passado a Reserva recebeu a Sociedade Chauá, contratada pela parceira SPVS, com o apoio da Souza Cruz, para o levantamento preliminar do Plano de Manejo. O ornitólogo Raphael Fernandes Santos apontou muitas novidades, e foi quem atingiu a marca das 232 espécies.



Empacotando passarinho

Bom, e agora, o que fazer com toda essa passarada? Enfiar numa Caixa e enviar mundo afora! Dito e feito. Renato, fotógrafo e designer gráfico de nascença, como diz, passou um tempão bolando uma maneira de apresentar tiês, gaviões, surucuás e beija-flores para muito mais gente do que poderia receber na Reserva. Tinha que levar os passarinhos debaixo do braço para mostrar pra garotada, distribuir este conhecimento acumulado durante anos. Surgiu a Caixa de Aves, feita de sobras de Madeira, que logo fez sucesso. Sempre é uma festa quando é aberta e dali começam a sair passarinhos que passam de mão em mão e, no final, quase sempre são levados de presente pra casa.

Renato explica: “É um material (Caixa de Aves) que utilizamos muito nos encontros com a criançada, além do que as pessoas também curtem e levam pra casa, porém, como é muito bonitinha, acaba virando enfeite e perde, de certa forma, a função pela qual foi concebida, ou seja, ser aberta e passar de mão em mão. Assim, criei o Cartaz de Aves, porque as aves ficam expostas.”

A essência da vida do casal pode ser resumida numa história que Renato conta com o maior orgulho: “A gente pensa nas aves como uma forma de explicar o mundo que nos cerca, da interação que existe entre tudo e todos, um jeito de penetrar no íntimo da pessoa e isso acontece quando a gente menos espera, quer ver? O Bruno era um garoto fechado, mas muito esperto. Certa vez, a professora perguntava a cada aluno o que tinham visto de mais interessante na exposição de aves da Reserva. Quando chegou a vez do Bruno ele respondeu, direto, sem pestanejar: pau seco. Deu-se aquele silêncio na sala, pelo inusitado da resposta e logo a professora replicou, mas, Bruno, pau seco? É, pau seco porque eu gostei mesmo foi do pica-pau e sem pau seco não tem pica-pau.” Era o que faltava pra gente acreditar de vez que o nosso caminho era bem por aí, finaliza Renato.