30 maio 2012

Sem Pinheiro não tem Grimpeiro


Furnariidae - Leptasthenura setaria - Grimpeiro  - Araucaria Tit-Spinetail 

Você já deve ter visto alguém atravessar, num salto, um circulo de facas montado em um pedestal e certamente nunca esquecerá aquela bela bailarina em espacate. Junte os dois e movimente em 78 rpm e poderá ter uma breve ideia do “ninja” acima.

Fotografar esse bichinho não é mole, porque além do frenesi, frequenta as copas do famoso Pinheiro-do-paraná, gigante secular de 10 a 35 metros que pode atingir até 50, caso não tenha sido transformado em fósforo, papel, mastro de navio ou violão.

É um caso raríssimo de dependência fauna/flora e está ameaçado de extinção tal qual a Floresta Ombrófila Mista (ou de Araucária), segundo estudo encomendado há dez anos pelo Ministério do Meio Ambiente.
Ave-símbolo de Curitiba é pouco estudado, justamente pela dificuldade de ser acompanhado. Sabe-se, por exemplo, que constrói seu ninho usando as folhas secas do Pinheiro, popularmente conhecidas como grimpas, de onde o povo tirou o seu nome. 

Alimenta-se de larvas e insetos que furunca habilmente entre essas grimpas e pode até colaborar com a polinização da árvore da qual ganha proteção, pois são raros os bichos que se atrevem a encostar nas suas folhas duras e espetantes.

O primeiro sinal de que tem Grimpeiro por perto é a sua voz, uma sequencia de ti-ti-ti-ti-ti estridentes; depois vem o movimento entre os galhos e então a aparição quase sempre no contra luz. 

A foto foi tirada a uns três metros do chão, pois o felizardo, no caso o fotógrafo, plantou a Araucária bem pertinho de casa, na Reserva Rio das Furnas, há uns seis anos. Plantar é fácil: enfie um pinhão na terra, desde que esteja próximo ao friozinho da Serra, e espere que o bichinho vem cuidar dela pra você. Confie. 

05 maio 2012

Irara em chamas



O casal de iraras na reaproximação mais suave que já presencieamos

Um barulho forte, de galho quebrando, de um princípio de incêndio, diferente de tudo aquilo que a gente ouve por aqui ecoou pela furna. 
Olhares atentos na direção de um grande cedro no alto da escarpa, perto de casa. Um animal escalara num átimo o que os olhos quase não seguiram. Fomos correndo aos binóculos, câmera, teleobjetiva com duplicador, tripé. 
Armamos em segundos o tal circo voyeur, enquanto a ponta do cedro... balançava... Uma irara dependurada no mais alto galho, quase despencava, fugindo de sua companheira? Uma fêmea em êxtase, mostrava os dentes ao mais tênue movimento acima? Uma cena séria demais para uma aproximação, pensava o equilibrista na ponta do galho. 
Tempo de esperar a fúria desvanecer... 
Tudo estava ficando meio sem jeito naquele galhinho que ameaçava quebrar; a queda, um desastre. Seria momento de arriscar a volta, mesmo que a fêmea eriçasse a descida? Aguardou até ver que ela se esfregava nos galhos, suave... fechando os olhinhos... soltando as patas e relaxando, enfim. 
Sutilmente, ele inicia a descida e se aproxima da fera, lenta, adormecida. Uma hora inteira de enleios, observamos ele apalpar entre galhos e folhas, até ela deixar-se tocar pela cauda, de olhos e boca entreabertos... O fogo, agora, enredava suspiros e, entrelaçados, escorregaram mais uma vez para o fundo da floresta úmida e cheirosa. Uma cena rara o namoro das iraras. 
Assim, com tanta doçura ao final, só poderia ser a Comedora de mel dos tupis ou a Tayra barbara (Eyra barbara) dos cientistas: quase uma doce ilusão. Não é fácil ver esse mustelídeo, porque está difícil manter árvore e floresta, coisas que eles adoram e precisam. 
Veja só: se aparecer no galinheiro, por exemplo, é morte certa, coitadinha. 
O humano está eliminando sua única chance de viver livre em seu habitat e quando ela descobre quão esperto ele é por prender a comida, abrem fogo sobre ela. Se não matam diretamente, eliminam a floresta, o que, afinal, dá no mesmo. E, sem floresta dá de amar?

02 maio 2012

Ritual de pica-pau


Picumnus temminckii  - Pica-pau-anão-de-coleira - photo Renato Rizzaro

O News que enviamos em julho de 2008 - Duelo caprichoso - descrevia o duelo caprichoso entre dois Pica-paus-dourados. Helmut Sick, nosso guia, descreveu esse ritual somente para o Pica-pau-anão-barrado, espécie que não ocorre em Santa Catarina. Aqui está o ritual dos anões-de-coleira. 
Os dourados eram lentos, minuciosos nos movimentos; os anões são lépidos, procuram a sombra das alturas e  sua coreografia é silenciosa. Enquanto os machos desenvolvem o ritual, as fêmeas ora acompanham de perto, quase envolvendo-se na dança, ora afastam-se, charmosas. O dueto as vezes se aquieta; um vasculha galhinhos, pica, faz rodeios; o outro observa, segue. De repente juntam-se e o duelo continua, intenso. 
Circularam num raio de 50 metros, de árvore em árvore, acompanhados pelas fêmeas e pelo fotógrafo. Mansos, não somem quando perseguidos, até posam para a chapa, creia!
Sick nos ensina que os pica-paus-anões estão entre os mais energéticos batedores e têm pés relativamente gigantescos. Forrageiam sobretudo nas pontas dos galhos, ramos e cipós finos e geralmente secos à procura de formigas, um nicho ecológico livre. 
Dormem sempre em ocos, onde se abrigam da chuva pesada. Começam tarde suas atividades, não sendo madrugadores.
O mestre Sick continua: o reflorestamento com pinus e eucaliptos não favorece a existência de pica-paus o mesmo acontecendo com capoeiras nativas, nas quais faltam árvores maiores para a instalação de seus ninhos. 
Os pica-paus são bastante sensíveis aos inseticidas. A existência de pica-paus pode até servir como indicador de que a respectiva biocenose (do grego bios, vida, e koinos, comum, público) continua intacta.


Vítor Piacentini, em resposta ao nosso News, acrescentou:

Curiosidade: biocenose é por vezes "traduzida" como assembléia de espécies, e pode ser entendida como o conjunto de espécies que habita determinado lugar. Há inclusive variantes, como anurocenose, fazendo clara referência - neste caso - não à todas as espécies do local, mas somente às de sapos, rãs e pererecas. Mesmo ornitocenose existe, embora pouquíssimo utilizado.