27 maio 2014

A Floresta Atlântica nossa de cada dia










Desfecho o dia gripado e com saudades da Reserva Rio Das Furnas, mas antes gostaria de dar uma palavrinha sobre o dia que passou, eleito Dia da Floresta Atlântica. Prefiro falar em floresta, uma vez que mata está muito perto de mato e remete ao verbo, sempre o verbo!

Os quatis que aparecem sorrateiros nas fotos fazem parte de um grande bando que anda pelos galhos e copas das árvores pendentes na escarpa à frente da casa na Reserva. Procuram frutos, mascam grandes sementes, sobem e descem à vontade, parecidos com macacos de tão destros na lida com o emaranhado de cipós, trepadeiras, epífitas, parasitas, bromélias, orquídeas, jerivás, taquaras, tudo porque a Reserva faz parte de num ecótono. O que significa uma área de floresta de transição, com variado tipo de vegetação, desde araucárias, canelas a erva-mate; tendo contato com o campo de altitude, suas matinhas nebulares etc e tal. Mas é tudo Floresta Atlântica, deixa.

Quando penso na Reserva, 10 ha de RPPN criada em 2001 e, com o apoio da SPVS, expandida em 2013 para 53,5 ha, penso em Serviços Ambientais, penso que mantemos por lá um filtro para o Rio Itajaí, pois a Reserva fica numa das nascentes deste rio; a Reserva preserva o solo, evita erosão com as fortes e antigas árvores fincadas em toda a margem do rio das Furnas, que corta a área pelo meio. Fabricamos oxigênio, espalhamos polinizadores, reproduzimos decompositores, enfim, somos produtores de sombra e água fresca, como fomos apresentados num dos programas Terra da Gente.

Somos até reguladores da composição química dos oceanos, ora veja! E ainda por cima, estamos no topo da megadiversidade mundial, brasileiros que somos. Dito isso, olhamos ao nosso redor, e vemos o quê? A limpeza! Sim, paradoxalmente acharam um nome bonito para desmatamento e perda de habitat, o mesmo aconteceu com os venenos aplicados na agricultura, que de um tempo pra cá passaram "misteriosamente" a serem chamados de "remédio".

Então, chegamos na água.
Na Serra da Boa Vista, onde está a Reserva, o fluxo de água vem da superfície, isso quer dizer que a água do dia seguinte é provida pelas gotículas da noite anterior e sucessivamente. É um tema pouco percebido e mais misterioso quando percebemos que o rio diminui mas não some, mesmo depois de uma grande estiagem. Presumo que seja por conta da variação de temperatura entre a noite e o dia que faz com que as minúsculas folhas da vegetação nativa condensem o ar e deixem escorrer entre suas raízes e caules a água que vai engrossar as cascatas, infiltrar no solo e encontrar outras águas vindas de todo lado, pois estamos num canyon: o ralo oeste da Serra da Boa Vista.

Poucos pensam em melhorar a qualidade e a quantidade de água mantendo as florestas, como se água fosse só abrir um poço e pronto. Na cidade tudo é mais simples porque é só abrir a torneira, não é mesmo?

E o clima vai mudando, mudando, muda e só se percebe que mudou de verdade quando saímos da cidade e entramos novamente na floresta. Aí sim, parece óbvio que proteger este conjunto de ecossistemas é essencial. De repente lemos nos jornais que Unidades de Conservação estão sendo leiloadas, que manguezais são loteados, que estradas absurdas são rasgadas sem mais nem menos e beneficiam só o capitalismo, bom, aí a porca torce o rabo, como dizem.

Tem gente trabalhando duro, como o pessoal da SPVS, que alinha o capital com a conservação, através de programas como o Desmatamento Evitado, do qual a Reserva fez parte por cinco anos. Durante este tempo aconteceu muita coisa, entre a medição georreferenciada; a criação do Plano de Manejo; pesquisas com bichos e plantas; manutenção e incentivo à Educação Ambiental e aquisição de Armadilhas Fotográficas de onde saíram registros excepcionais da fauna do canyon. A Reserva, assim, teve dois tempos, o antes e o depois da SPVS. O que aconteceu ao redor? Pinus et pastagem. Agora, estamos num sufoco danado pra manter a área livre do fogo cruel, dos negociadores de aves silvestres, caçadores e dos tais bem intencionados, dizem, que o inferno anda cheio...

E assim seguimos ao fim do dia da Floresta Atlântica, com espirros e nariz escorrendo na urbe que pára devagar, depois dos alarmes disparados, buzinas ao longe, sirenes, luzes e torneiras prontas para o banho quentinho do ascensorista, da família preocupada em fornir a prole, do petê, do pão e do circo, porque ninguém é de ferro, e nem sabe que lá longe tem uma gota que pode faltar na torneira e os quatis, sabe os quatis? Pois então!

23 maio 2014

Charões na Reserva!

Psittacidae Papagaio-charão (Amazona pretrei) Red-spectacled Parrot © Renato Rizzaro


 Já que a época dedica-se a festejar o encontro destas maravilhosas aves, na região de Urupema, vamos expandir a conversa. 

Fato único no Planeta, a reunião de milhares de papagaios na Serra Catarinense começou em meados dos anos 90, desde quando deixaram de encontrar os pinhões, alimento único entre março e julho, no nordeste do Rio Grande do Sul, por conta da destruição daquele habitat. Vale lembrar que as magníficas florestas de araucária foram dizimadas até chegar a 1% na atualidade, levando a perigo de extinção, inclusive, os papagaios.

Maravilha para os observadores de aves, esta é uma festa perigosa para as aves, por ficarem vulneráveis a doenças que podem contaminar o grupo e, o pior, acabarem engaioladas. 

Porém, creiamos que alguns humanos não sejam tão grotescos ao ponto de estragarem a festa dos papagaios e, claro, sua própria, e falemos um pouco do bicho: é um dos menores papagaios brasileiros; forma um casal fiel; enquanto a fêmea nidifica é alimentada pelo macho; destaca-se pela bela máscara encarnada, e aí nota-se a diferença para um outro papagaio, o de peito roxo (Amazona vinacea), seu companheiro de viagem. Muitíssimo menor em quantidade, onde há milhares do charão encontram-se pequenas centenas do roxinho, fazem menos algazarra e até parece que gostam de um certo silêncio. Quem já teve o privilégio de presenciar revoadas de charões em Urupema sabe que é uma berraceira sem igual. Nem uma roda de italianos é mais alegre e barulhenta! 

“Fora do período de produção das sementes de Araucaria, os charões utilizam em sua alimentação frutos, sementes, folhas e flores de dezenas de espécies de plantas nativas e algumas exóticas, destacando-se os frutos de guabiroba (Campomanesia xanthocarpa), cereja (Eugenia involucrata), sementes de camboatá-vermelho (Cupania vernalis), canela (Ocotea puberula).” 

Embora a Reserva tenha estas espécies vegetais, não observamos charões alimentando-se e sim casais cruzando o céu na época do pinhão e, no último 15 de abril, 26 indivíduos voando de Norte a Sul, o que aumenta, provavelmente, a área de registro. Possível tema para pesquisa? A Reserva está aberta e apoia as ações para conservação do Papagaio-charão. 

Para saber mais, clique aqui

Psittacidae Papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea) Vinaceous Parrot © Renato Rizzaro